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5/01/2010

A filosofia da Apple

Publicada por Aníbal Meireles |

Digo desde já: não concordo com a dita.

O "underdog" da informática está rapidamente a tornar-se num actor principal, que faz capa de jornal e aparece nos telejornais a propósito de cada lançamento, ou, no último caso, a propósito de um protótipo malparado. Isto não teria nada de mal e até é capaz de não ter, em bom rigor, porque há concorrência. Quem não quer comprar Apple, não compra, é simples, ninguém é obrigado.

Mas apesar disso há um problema: é que quem compra nunca sabe bem as regras com que se cose. Num dia é uma aplicação com cartoons satíricos sobre políticos que é banido da loja da Apple porque a Apple é contra sátiras a figuras do Estado; na semana a seguir o CEO Steve Jobs diz que afinal foi um erro e que a aplicação afinal vai ser autorizada; agora é um jogo de caça às focas que é banido porque a Apple é contra a caça às focas. Por essa linha de raciocínio a Apple devia banir a grande maioria dos FPS (first person shooters), porque todos eles envolvem invariavelmente dar tiros no inimigo humano. E jogos de corridas também, porque encoraja a imoralidade nas estradas, exceder os limites de velocidade e de segurança. violar todas as outras regras de trânsito, como chocar contra outros carros e destruir propriedade pública, e possivelmente atropelar pessoas.

O problema da Apple é uma pseudo moral puritana que anda ao sabor do vento, de modo a ganhar "pontos" junto da clientela. Como por exemplo proibir as aplicações que contenham aquilo a que a Apple chama de pornografia (mesmo que em casos não passe de erótica). Ora, não permitir pela porta, mas depois permitir pela janela não é coerente com a "moral" a que a Apple se arroga possuidora. O browser Safari, integrado no iPhone, iPod Touch, e também no iPad, permite o acesso à internet, pornografia incluída.

Se a pornografia é legal, não constituindo nenhum crime, a única forma de a Apple dizer que permite, por um lado, o acesso irrestrito à Internet e por outro não permite determinados conteúdos legais na loja de aplicações, é apelidar o seu comportamento de "politica da empresa" e nunca de moral. Para se ter moral é preciso ter coêrencia. E neste caso comportamentos opostos são permitidos simultaneamente.  Há situação mais clara de que não há aqui nenhuma moral em jogo na actuação da Apple ? É que para lhe chamarem de moral teriam de colocar um filtro obrigatório no Safari, tal como a China faz a nível central com os conteúdos que classifica como indesejáveis. 

 Em suma, chamem-lhe "política da empresa"  e aí tudo bem, embora discorde. Não comprarei, mas tudo bem. Ainda assim, outros potenciais clientes ficarão sem perceber, mesmo apelidando a conduta de "política", o que esperar, se essa política é errática e muda de semana para semana. Por este fio de raciocínio, os filmes disponíveis na loja iTunes da Apple também deviam sofrer o mesmo tratamento: filmes de terror não; filmes com destruição, mortes, etc, era tudo banido porque a Apple confunde a realidade com a ficção. Os filmes e os jogos servem de escape e nisso são brilhantes. O homem tem uma componente de violência por natureza. Querer negar isso e pretender que somos todos unicamente santos é no mínimo ignorante e inútil, e em geral hipócrita.

E agora, para dispor bem um sketch sobre a Apple, do Daily Show:


The Daily Show With Jon StewartMon - Thurs 11p / 10c
Appholes
www.thedailyshow.com
Daily Show Full EpisodesPolitical HumorTea Party

(embora eu não concorde com a parte em que o jornalista que comprou o protótipo do iPhone não tivesse de ser implicado num crime, porque ao que parece, quando se compra um bem que não é sua propriedade, isso costuma ser crime. O decente é devolver o produto a quem é dono dele. Talvez convencer a Apple a dar-lhes o exclusivo da primeira análise por exemlo, como moeda de troca informal, não lhes custava nada como sugestão e até lhes traria goodwill por parte da Apple. Mas parece que o dinheiro em retorno de audiência e publicidade do site Gizmodo falou mais alto e aqui parece-me que a Apple esteve bem. A não ser que tenha sido hipócrita e tenha deixado de propósito o protótipo do novo iPhone de propósito num banco de um bar para que fosse encontrado. Uma espécie de teste informal ao que o público acha de um produto, sem querer admitir que se precisa do feedback do público. E esse tipo de atitude da Apple, de não perguntar ao público o que quer num produto, mas antes dizer-lhes que é assim, pode ter tido aqui uma revoravolta, ainda que eles não o queiram admitir, e nesse caso, condeno claramente a Apple. Mas a justiça averiguará o que se passou, esperemos.)

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